Paciente do
sexo masculino, 49 anos de idade, é encaminhado à consulta externa de lipidologia
(investigação, estudo e tratamento das dislipidemias). Ao realizar anamnese o
médico verificou que o paciente tinha dislipidemia que é o aumento anormal da
taxa de lipídios no sangue. As
dislipidemias podem ocorrer por causa do aumento de triglicérides (TGs) -
(hipertrigliceridemia), aumento do colesterol - (hipercolesterolemia) ou por
uma combinação das duas (dislipidemia mista). Dos antecedentes familiares salientava-se
o fato de ambos os progenitores terem tido doença cerebrovascular e diabetes
tipo 2.
Como
antecedentes pessoais, trata-se de um doente obeso há já vários anos, com
dislipidemia mista há cerca de 12 anos e com diabetes mellitus tipo 2
diagnosticada há cerca de um ano.
Referência a
hábitos tabágicos (15 a 20 cigarros/dia) desde os 18 anos (com recente abandono
dos mesmos) e hábitos etílicos de cerca de 20 g. de etanol por semana. O doente
referia alimentação variada, sem cuidados dietéticos especiais, realizando
apenas duas refeições diárias, em média.
Negava dor ou
desconforto abdominal, bem como outra sintomatologia. Ao exame clínico, o
doente apresentava obesidade (essencialmente central) com índice de massa
corporal (IMC) de 34 Kg/m2 e com perímetro de cinta de 110 cm. Pele e mucosas
coradas e hidratadas. Não eram evidentes xantomas, xantelasmas ou arco
corneano. O restante dos exames objetivos não havia alterações de registo.
Do estudo
laboratorial o paciente apresentava dislipidemia mista com redução do HDL; Apo
B (apolipoproteína B é uma apolipoproteína primária da LDL, a qual é
responsável pelo transporte do colesterol para os tecidos) aumentada; PAI-1
aumentado (inibidor do ativador de plasminogênio 1); hiperinsulinismo; função
renal normal; função tiroideia normal; hemograma com leucograma e provas de
coagulação normais. Apresentava também elevação persistente das enzimas
hepáticos – TGP (120 U/L) e TGO (70 U/L).
Dada persistência
destas alterações de enzimas hepáticas, foram realizadas sorologias para
hepatites, que foram negativas. Foram também excluídas patologias metabólicas,
nomeadamente a doença de Wilson e hemocromatose, pois os doseamentos de cobre,
e saturação de transferrina eram, respectivamente, normais. Ao realizar
ecografia abdominal verificou-se compatibiidade com esteatose hepática difusa.
Perante estes resultados, realizou-se biópsia hepática que mostrou cirrose
hepática micronodular com esteatose micro e macrovacuolar de intensidade
moderada, com atividade inflamatória mínima.
Devido
reduzida ingestão etílica (cerca de 20 g por semana) do doente e perante os
resultados laboratoriais e histológicos, fez-se o diagnóstico de esteatose
hepática não alcoólica com evolução para cirrose.
Discussão:
Powell e os seus colaboradores
propuseram os seguintes critérios diagnósticos para a EHNA:
1) Biopsia hepática com
degeneração e inflamação, com ou sem corpos hialinos de Mallory, fibrose ou
cirrose;
2) Evidência de baixo consumo de
álcool (inferior a 40 g./semana);
3) Ausência de outras causas de
hepatite (virusais, auto-imunes e outras)
A prevalência
desta entidade na população geral não se encontra bem definida. A maioria dos
casos ocorre nas 5ª e 6ª décadas de vida, com maior incidência em mulheres.
A Esteatose
Hepática não alcoólica é uma doença que decorre de alterações no metabolismo de
ácidos graxos nos tecidos não-adiposos e tem maior chance de ocorrer em obesos,
diabéticos insulino-resistentes e dislipidêmicos. A patogênese dessa doença
permanece pouco clara. Embora, sabe-se que a acumulação a nível hepático pode
ocorrer devido ao aumento do aporte de ácidos graxos no fígado, a síntese
excessiva de ácidos graxos pelo fígado, a diminuição da β-oxidação dos ácidos
graxos e a redução da síntese de VLDL.
A maioria dos
casos de EHNA é assintomática a apenas poucos pacientes apresentam dor e
desconforto abdominal, principalmente crianças. Ao exame clínico se observa
hepatomegalia sem evidências de doença hepática crônica. No exame laboratorial
a EHNA pode ser caracterizada por algumas alterações como o aumento dos níveis
de transaminases (TGP e TGO), o aumento dos valores de ferritina e a manutenção
dos níveis de fosfatase alcalina, albumina e bilirrubina.
Algumas
evidências experimentais indicam que a infiltração hepática por ácidos graxos
aumenta a produção de tecido fibroso no fígado. Sendo assim, quase metade dos
doentes poderão evoluir para fibrose e, em algumas séries, cerca de um sexto
evolui para cirrose hepática.
Não existe
terapêutica específica definitiva. Entretanto, estudos e ensaios clínicos estão
sendo testados para a validação de medidas de tratamento. Por exemplo: o uso de
antioxidantes, como a vitamina E, e o uso da metformina. Todas essas medidas de
tratamento atuam na normalização das transaminases.
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